O debate entre liberdade de expressão e o chamado “direito ao esquecimento” voltou à tona com decisões relevantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Trata-se de um embate entre valores constitucionais que, muitas vezes, se colocam em rota de colisão: de um lado, a liberdade de informar e ser informado; de outro, os direitos à honra, à privacidade e à intimidade.
O que decidiu o STF?
No julgamento da AP 1.044, o STF fixou a seguinte tese:
“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais.”
A Corte entendeu que admitir um direito ao esquecimento seria restringir excessivamente a liberdade de expressão, além de comprometer o direito coletivo à memória e à história. A ponderação entre direitos deve ser feita caso a caso, respeitando os limites constitucionais e as previsões legais específicas.
Direito ao esquecimento na prática
Segundo Anderson Schreiber, o direito ao esquecimento é exercido por uma pessoa humana contra agentes públicos ou privados que divulgam fatos verídicos e antigos que impactam negativamente a identidade dessa pessoa, projetando-a de maneira desatualizada ou opressiva na esfera pública.
Um exemplo emblemático envolve a apresentadora Xuxa, que buscou impedir a reexibição de um filme de seu passado, por entender que isso lhe causa prejuízos pessoais e profissionais.
Três correntes doutrinárias
1. Pró-informação: nega a existência de um direito ao esquecimento. A liberdade de informação, aqui, é absoluta. Invocam-se precedentes como a ADI 4.815 (biografias não autorizadas).
2. Pró-esquecimento: defende o esquecimento como desdobramento da dignidade da pessoa humana. Exemplo disso é o REsp 1.334.097/RJ (Chacina da Candelária) e a jurisprudência europeia.
3. Intermediária: adota a ponderação entre os direitos fundamentais envolvidos, como sugerido pelo Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil), buscando sempre a solução menos gravosa para os interesses em conflito.
A jurisprudência em foco
– STF (RE 1010606/RJ – Tema 786): Reforça a incompatibilidade com a Constituição da ideia de um direito ao esquecimento abstrato e prévio.
– STJ (REsp 1.736.803-RJ): Mesmo reconhecendo o direito ao esquecimento, afasta sua aplicação quando há evidente interesse público e histórico na preservação da memória.
Conclusão
O direito ao esquecimento, ainda que reconhecido em algumas situações específicas, não pode ser compreendido como absoluto. O STF estabeleceu que sua aplicação deve ocorrer somente em hipóteses concretas e nunca como censura prévia. Trata-se de ponderar, caso a caso, o equilíbrio entre os direitos fundamentais envolvidos.
