O questionamento acerca da recepção, pela Constituição de 1988, do art. 331 do Código Penal, que trata do crime de desacato, é tema central em uma arguição de descumprimento de preceito fundamental. A alegação inclui a análise da conformidade do dispositivo com a Convenção Americana de Direitos Humanos.
A norma do art. 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato, foi recepcionada pela Constituição de 1988.
Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental em que se questiona a conformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos, bem como a recepção pela Constituição de 1988, do art. 331 do Código Penal, que tipifica o crime de desacato.
De acordo com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo Tribunal Federal, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e, em casos de grave abuso, é legítima a utilização do direito penal para a proteção de outros interesses e direitos relevantes.
A diversidade de regime jurídico – inclusive penal – existente entre agentes públicos e particulares é uma via de mão dupla: as consequências previstas para as condutas típicas são diversas não somente quando os agentes públicos são autores dos delitos, mas, de igual modo, quando deles são vítimas.
A criminalização do desacato não configura tratamento privilegiado ao agente estatal, mas proteção da função pública por ele exercida.
Vale ressaltar, no entanto, que, considerando que os agentes públicos em geral estão mais expostos ao escrutínio e à crítica dos cidadãos, deles se exige maior tolerância à reprovação e à insatisfação, limitando-se o crime de desacato a casos graves e evidentes de menosprezo à função pública.
STF. Plenário. ADPF 496, Rel. Roberto Barroso, julgado em 22/06/2020 (Info 992).
No voto do Ministro Relator, foi mencionado que a interpretação do art. 331 do CP deve ser restritiva, com a fixação de quatro critérios interpretativos:
1) o crime deve ser praticado na presença do funcionário público;
2) não há crime se a ofensa não tiver relação com o exercício da função;
3) é necessário que o ato perturbe ou obstrua a execução das funções do funcionário público;
4) devem ser relevados, portanto, eventuais excessos na expressão da discordância, indignação ou revolta com a qualidade do serviço prestado ou com a atuação do funcionário público.
E perante os órgãos regionais de proteção dos Direitos Humanos, é válida a tipificação do crime de Desacato?
Contrariando a posição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que considera inválida a criminalização do desacato, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhece que excessos na liberdade de expressão podem ser punidos pelo Direito Penal. Portanto, o Judiciário brasileiro deve continuar repudiando reações arbitrárias de agentes públicos, punindo casos de abuso de autoridade diante de críticas e opiniões que não constituam um excesso intolerável do direito à livre manifestação do pensamento.
Para a CIDH, as leis de desacato restringem indiretamente a liberdade de expressão, porque carregam consigo a ameaça do cárcere ou multas para aqueles que insultem ou ofendam um funcionário público. Por essa razão, este tipo penal (desacato) é inválido, por contrariar o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Em 2000, a CIDH aprovou a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, onde reafirmou sua posição sobre a invalidade da tipificação do desacato:
“11. Os funcionários públicos estão sujeitos a um maior controle por parte da sociedade. As leis que punem a manifestação ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato’, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação.”
Corte IDH admite que excessos na liberdade de expressão sejam punidos
Apesar de a posição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ser contrária à criminalização do desacato, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão que efetivamente julga os casos envolvendo indivíduos e estados, já deixou claro em mais de um julgamento que o Direito Penal pode punir as condutas que representem excessos no exercício da liberdade de expressão.
Assim, o Poder Judiciário brasileiro deve continuar a repudiar reações arbitrárias eventualmente adotadas por agentes públicos, punindo pelo crime de abuso de autoridade quem, no exercício de sua função, reagir de modo autoritário a críticas e opiniões que não constituam excesso intolerável do direito de livre manifestação do pensamento.
Daria uma boa questão discursiva e interdisciplinar de prova, não acham?