Imagine a seguinte situação hipotética:
Paulo, um empresário de renome, é alvo de investigações por envolvimento em esquemas de corrupção. Diante das evidências, João decide colaborar com as autoridades para reduzir sua pena e preservar sua reputação.
Ao negociar o acordo de colaboração premiada, Paulo e o Ministério Público estabelecem termos atípicos, incluindo a imediata privação de liberdade após a homologação judicial. A colaboração de João leva à obtenção de informações valiosas, resultando na não apresentação de denúncia contra ele. No entanto, a execução imediata das condições do acordo, como a privação de liberdade em regime domiciliar, causa debates sobre a legalidade e constitucionalidade da medida.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça é acionada para analisar o caso. O Tribunal, seguindo entendimentos firmados anteriormente, valida a imediata privação de liberdade, destacando que essa medida não equivale a uma pena, mas sim a uma condição negociada entre as partes.
E o que decidiu o STJ? Concordou com os argumentos de qual das partes?
No âmbito do acordo de colaboração premiada, a imediata privação da liberdade, condicionada à homologação judicial, é considerada uma sanção premial atípica. A controvérsia central se concentra na análise da possibilidade de impedir o cumprimento da pena privativa de liberdade até que haja uma sentença penal condenatória transitada em julgado contra o colaborador.
O instituto da colaboração premiada, tido como um negócio jurídico, oferece às partes uma razoável margem de definição do conteúdo do acordo, abrangendo deveres e vantagens, porém dentro de certos limites. O entendimento firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça destaca a legitimidade da fixação de sanções premiais atípicas, desde que não violem a Constituição ou o ordenamento jurídico.
Dentre as sanções premiais atípicas admitidas, destaca-se o imediato cumprimento, após a homologação judicial, da privação da liberdade nos termos pactuados, em regime domiciliar diferenciado, independentemente do quantum da pena previsto na legislação comum.
A privação de liberdade estabelecida pelo acordo não se equipara a uma pena de prisão convencional, pois advém da livre negociação entre as partes, sem a formação judicial da culpa. Em caso de descumprimento ou recusa dos termos do regime, não ocorre um retorno coercitivo à prisão, mas sim a rescisão do acordo, com o oferecimento da denúncia e a perda dos benefícios anteriormente assegurados.
No caso em questão, o colaborador não foi denunciado, conforme previsto na cláusula 6ª, parágrafo único, do acordo. Isso levaria a situações insustentáveis caso a tese da divergência fosse adotada, onde o benefício conferido ao colaborador não encontraria correspondência em qualquer medida restritiva, mesmo nos casos em que não haveria uma sentença condenatória.
Mesmo nos casos em que há denúncia, a execução imediata da restrição à liberdade não está excluída dos acordos de colaboração premiada, permitindo-se a aplicação de outras medidas menos gravosas, como as restritivas de direitos ou a multa. O reconhecimento de que não se trata de uma pena, mas sim de uma condição do acordo, sujeita ao controle do magistrado responsável pela homologação, é essencial para garantir a utilidade prática do instituto da colaboração premiada.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal já homologou acordos de colaboração premiada nos quais a execução das medidas restritivas ocorria antes da prolação de qualquer sentença, evidenciando que o caráter negocial da medida é crucial para a sua aplicação. O entendimento anterior do STF, antes do julgamento das ADCs n. 43, 44 e 54, reforça que o início da execução da pena após o acórdão condenatório em segundo grau não era uma exigência absoluta.
Dessa forma, a execução imediata das condições estabelecidas no acordo de colaboração premiada ocorre como uma exceção à exigência anterior de uma decisão condenatória em segundo grau, evidenciando que o diferencial repousa no caráter negocial da medida. Por fim, se o colaborador decidir não mais cumprir os termos do regime diferenciado, o Ministério Público está autorizado a considerar rescindido o acordo, adotando as medidas processuais cabíveis.