O crime de estupro é uma das formas mais graves de violência sexual, que ocorre quando uma pessoa força, coage ou constrange outra a manter relações sexuais ou praticar atos sexuais sem o consentimento, aplicando, muitas das vezes, violência e/ou grave ameaça.
Trata-se de um ato de violência que vai muito além do âmbito do sexo, envolvendo poder, controle e a violação dos direitos e da dignidade de uma pessoa.
A prática do estupro é universalmente condenada e é considerada crime em praticamente todos os sistemas legais do mundo. Além de causar danos físicos, o estupro tem consequências emocionais e psicológicas devastadoras para as vítimas, muitas vezes resultando em traumas duradouros. A complexidade do crime de estupro envolve questões legais, sociais e de gênero, já que as vítimas, em sua maioria, são mulheres, embora homens também possam ser vítimas.
A luta contra o estupro envolve a criação de legislações mais rigorosas, a promoção da conscientização sobre consentimento e a educação sobre o respeito mútuo e os direitos das vítimas. Além disso, a sociedade como um todo desempenha um papel fundamental na prevenção e na criação de um ambiente em que todas as pessoas possam viver livres do medo e da ameaça de violência sexual. Este é um tópico sensível e crítico que requer uma abordagem multidisciplinar e a colaboração de autoridades, profissionais de saúde, organizações não-governamentais e a sociedade em geral para garantir que as vítimas sejam apoiadas e os agressores sejam responsabilizados por seus atos.
Sobre a temática, vamos abordar a respeito do Estupro coletivo X Estupro Corretivo, bem como o denominado Estupro Bilateral.
Estupro coletivo é uma causa de aumento de pena específica ao crime de estupro no Código Penal, e que, caso incida, o juiz poderá aumentar de 1 a 2/3. É hipótese de incidência caso o delito seja cometido mediante 2 ou mais agentes. A motivação primária é a agressão sexual, não ligada a correção de orientação sexual ou identidade de gênero.
Estupro corretivo também é uma causa de aumento de pena específica ao crime de estupro no Código Penal, e que, caso incida, o juiz poderá aumentar de 1 a 2/3. Ocorre para controlar o comportamento social ou sexual da vítima, podendo envolver um ou mais agressores. A motivação é corrigir ou punir a orientação sexual ou identidade de gênero da vítima. É uma forma específica de estupro com motivação baseada em preconceito.
O que é o “Estupro Bilateral”?
Ocorre o estupro bilateral quando duas pessoas menores de catorze anos praticam atos libidinosos, o que, tecnicamente, tipifica ato infracional perpetrado por ambos, por conduta análoga a descrita no art. 217-A do Código Penal.
Tal expressão foi utilizada pelo Professor Alamiro Velludo Salvador Netto, que, ao tratar da alteração do Código Penal pela Lei 12.015/2009, retirou do tipo penal a presunção de violência, elemento normativo do tipo penal que permitia ao magistrado, a luz do caso concreto, afastar a severidade penal naqueles casos em que a intervenção penal não se mostrava necessária (ex.: jovem de treze anos que mantém relação sexual com o namorado de dezoito anos).
Nesse contexto, o elemento normativo do tipo permitia suavizar a resposta estatal por meio de uma coerente opção axiológica subjacente à legislação penal.
A Lei 12.015/2009 caminhou em sentido oposto. Ao afastar o elemento normativo do tipo, passou a tipificar o estupro de vulnerável no art. 217-A, já não se falando mais em presunção de violência.
Segundo o STJ: “Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime” (REsp 1.480.881/PI, 2014/0207538-0).
Dessa forma, por não mais haver “brechas interpretativas”, os menores de 14 anos não podem mais se relacionar sexualmente.
No que consiste a exceção de Romeu e Julieta no Direito Penal?
Por meio dessa exceção, a vulnerabilidade etária podera ser relativizada, considerando a diferença de idade entre as partes (exceção de Romeu e Julieta).
Como é cediço, os fenômenos sociais vivenciados nas últimas décadas indicam que os adolescentes estão, a cada dia, mais expostos a conteúdos ligados à sexualidade. A maturidade sexual atualmente, chega muito cedo, num contexto social não concebido pela legislação pátria ao definir a idade de consentimento para as relações sexuais.
Certamente, ao conceber o patamar de 14 anos, o legislador infra-constitucional não previu o surgimento de uma série de fenômenos sociais, tais como a sexualidade precoce, a sexualidade fluída, o gênero neutro, dentre diversos outros desdobramentos da chamada geração Z.
Tal teoria preconiza que, em que pese a literalidade do Código Penal, não se deve considerar estupro de vulnerável quando a relação sexual ocorre com uma pessoa com diferença etária de até cinco anos, pois ambas as partes se encontram na mesma etapa de desenvolvimento sexual. Nesse cenário, não seria razoável considerar estupro a relação consentida entre namorados (por exemplo: “A”, com 13 anos, e seu namorado(a), com 18 anos).
Dessa forma, quando a situação de idade do acusado é de apenas alguns anos a mais do que a vítima, a situação deverá receber um tratamento jurídico diverso.
Alguns Estados norte-americanos, diante dessa circunstância, desenvolveram as “Romeo and Juliet Laws”, “segundo as quais não há crime em caso de relacionamento sexual entre pessoas cuja diferença de idade é pequena, considerando que ambos estão no mesmo momento de descoberta da sexualidade” (GARCIA, 2015).
A expressão é inspirada na obra de William Shakespeare e refere-se à tragédia escrita entre 1591 e 1595, nos primórdios de sua carreira literária, na qual narra a morte de dois jovens amantes.
Observe-se que na peça Julieta tinha apenas 13 anos quando manteve relação amorosa com Romeu, fato que ocasionaria, à luz do nosso ordenamento jurídico, a responsabilização de Romeu por ato infracional análogo ao estupro de vulnerável.
Embora a terminologia seja inusitada, já foi citada por diversas decisões judiciais. Dentre estas, destaque-se a decisão da juíza Placidina Pires, da 10.º Vara Criminal de Goiânia (GO), que absolveu um homem que manteve relações sexuais com uma jovem de 13 anos, pois, conforme o Direito Comparado, poderia o Direito brasileiro ter adotado orientação semelhante (“Romeo and Juliet Laws”) para os casos em que não for constatada a exploração sexual dos adolescentes, ou seja, para as hipóteses em que o ato sexual consentido resultou de relação de afeto, conforme notícia publicada no Conjur’.
A Lei 12.015/2009 caminhou em sentido diverso ao proposto, ao afastar o elemento normativo do tipo, e passou a tipificar o estupro de vulnerável no art. 217-A, já não se falando mais em presunção de violência. o elemento normativo do tipo que, outrora, permitia suavizar uma coerente opção axiológica subjacente a legislação penal, já não mais subsiste no ordenamento posto.
Dessa forma, por não mais haver “brechas interpretativas”, os menores de 14 anos não podem mais se relacionar sexualmente.
Segundo o STJ: “Para a caracterização do crime de estupro de vulnerá vel, previsto no artigo 217-A do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime” (REsp 1.480.881/PI, 2014/0207538-0).
Fonte: Biffe Junior, João. Concursos públicos: terminologias e teorias inusitadas / João Biffe Júnior, Joaquim Leitão Júnior. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017
DISTINGUISHING aplicado pelo STJ no ano de 2023 acerca da temática:
O STJ, no julgamento do Tema 918 e na Súmula 593, fixou o entendimento de que o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
Admite-se o distinguishing quanto ao Tema 918/STJ (REsp 1.480.881/PI), na hipótese em que a diferença de idade entre o acusado e a vítima não se mostrou tão distante quanto do acórdão paradigma (o réu possuía 19 anos de idade, ao passo que a vítima contava com 12 anos de idade), bem como há concordância dos pais da menor somado a vontade da vítima de conviver com o réu e o nascimento do filho do casal, o qual foi registrado pelo genitor.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.977.165/MS, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF1), Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/5/2023 (Info 777).