LEI n° 14.768/2023
Foi promulgada, em 22 de dezembro de 2023, a lei que reconhece a surdez unilateral como deficiência. A nova legislação garante a quem tem surdez total de apenas um dos ouvidos os mesmos direitos das pessoas com deficiência auditiva bilateral, entre eles, o direito à reserva de vagas em concursos públicos e à contratação por meio da Lei de Cotas, que exige percentuais variados de pessoas com deficiência em empresas, proporcionais ao número de empregados.
Conforme estabelece o art. 1º da Lei:
Lei 14.768/2023, Art. 1º – Considera-se deficiência auditiva a limitação de longo prazo da audição, unilateral total ou bilateral parcial ou total, a qual, em interação com uma ou mais barreiras, obstrui a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
A Lei estabelece, ainda, que adotar-se-á, como valor referencial da limitação auditiva, a média aritmética de 41 dB (quarenta e um decibéis) ou mais aferida por audiograma nas frequências de 500 Hz (quinhentos hertz), 1.000 Hz (mil hertz), 2.000 Hz (dois mil hertz) e 3.000 Hz (três mil hertz). Prevê, ainda, que outros instrumentos constatarão a deficiência auditiva, em conformidade com a Lei n° 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Portanto, a classificação de surdez será atribuída àqueles com perda auditiva de 41 decibéis ou mais, podendo ser unilateral total (ATENÇÃO!), bilateral parcial ou bilateral total.
SUPERAÇÃO DA SÚMULA 552, STJ
Importante destacar que novidade legislativa superou a Súmula 552 do STJ. O enunciado prevê que:
Súmula 552, STJ – O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos.
Apenas para contextualizar, o art. 37, VIII, CF/88 prevê que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão. Nesse sentido, e em relação à deficiência auditiva, o Decreto n. 3.298/99 regulamentou a Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
O Decreto n. 3.298/99 estabelece o seguinte:
Decreto n. 3.298/99, Art. 4º, (…)
II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)
Note que até então apenas era considerada deficiência auditiva (surdez) a perda bilateral (total ou parcial) da audição. Assim, e visando harmonizar a jurisprudência ao previsto no Decreto n. 3.298/99, e com amparo em precedente do STF[1], o STJ editou a Súmula 552.
Contudo, a novel Lei (14.768/2023) ampliou o conceito de deficiência auditiva, incluindo também as pessoas que possuem perda unilateral TOTAL (a perda unilateral parcial não foi alcançada pela Lei).
Antes – Decreto n. 3.298/99 | Atualmente – Lei n. 14.768/2023 |
Art. 4º, (…) II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004) | Art. 1º Considera-se deficiência auditiva a limitação de longo prazo da audição, unilateral total ou bilateral parcial ou total, a qual, em interação com uma ou mais barreiras, obstrui a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1° Para o cumprimento do disposto no caput deste artigo, adotar-se-á, como valor referencial da limitação auditiva, a média aritmética de 41 dB (quarenta e um decibéis) ou mais aferida por audiograma nas frequências de 500 Hz (quinhentos hertz), 1.000 Hz (mil hertz), 2.000 Hz (dois mil hertz) e 3.000 Hz (três mil hertz). |
Art. 2º E O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE
Por fim, o art. 2º da Lei estabelece o seguinte:
Lei 14.768/2023, Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação e terá vigência até que sejam criados e implementados os instrumentos de avaliação previstos no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Considerando o teor do dispositivo supracitado, convém lembrar que a LINDB estabelece que não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue (art. 2º). Trata-se da consagração do princípio da continuidade da lei. Conforme leciona o Professor Flávio Tartuce:
“O art. 2.º da Lei de Introdução consagra o princípio da continuidade da lei, pelo qual a norma, a partir da sua entrada em vigor, tem eficácia contínua, até que outra a modifique ou revogue. Dessa forma, tem-se a regra do fim da obrigatoriedade da lei, além do caso de ter a mesma vigência temporária.
Contudo, não se fixando este prazo, prolongam-se a obrigatoriedade e o princípio da continuidade até que a lei seja modificada ou revogada por outra (art. 2.º, caput, da Lei de Introdução). A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (art. 2.º, § 1.º). Entretanto, a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior (art. 2.º, § 2.º)”.
Assim, até que o Poder Executivo crie instrumentos para avaliação da deficiência, a Lei n° 14.768/2023 permanecerá em vigor.
Bons estudos!
[1] Agravo regimental em mandado de segurança. 2. Concurso público. Decreto 3.298/99 prevê apenas a surdez bilateral como deficiência auditiva. Candidato pretende que surdez unilateral seja reconhecida como condição apta a qualificá-lo de portador de deficiência. 3. Necessidade de dilação probatória. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF – MS: 29910 DF, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 21/06/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-146 DIVULG 29-07-2011 PUBLIC 01-08-2011)