Imagine a seguinte situação hipotética:
Determinado agente com foro por prerrogativa de função é réu em ACP por improbidade administrativa. Constatou-se que a conduta perpetrada pelo agente também se configurava conduta típica para o Direito Penal.
Desta feita, o Ministério Público ofertou denúncia no foro competente, tendo sido instruída com a cópia do referido Inquérito Civil Público. A defesa alega nulidade dos elementos que embasaram a inicial acusatória por uma manobra processual para se usurpar a competência do Tribunal de Justiça local na supervisão das investigações, em violação ao princípio do juiz natural.
Indaga-se: merece acolhida o argumento da defesa?
R.: Não há usurpação de competência do Tribunal de Justiça local quanto à supervisão de investigação contra detentor de prerrogativa de foro no âmbito de inquéritos civis e ações de improbidade administrativa.
A controvérsia gira em torno da questão de se houve ou não usurpação de competência por parte do Tribunal de Justiça local ao não ordenar a abertura de inquérito policial ou procedimento de investigação criminal para apurar alegado ato de improbidade administrativa cometido por um prefeito, detentor de prerrogativa de foro.
No caso em questão, o representante do Ministério Público iniciou um Procedimento Preparatório para investigar irregularidades que configurariam improbidade administrativa. Após o término do prazo desse procedimento, ele foi convertido em um Inquérito Civil Público.
Entretanto, o acusado alega que a denúncia que resultou em sua condenação pelo delito previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 foi feita sem a prévia abertura de inquérito policial ou procedimento investigatório criminal. Segundo ele, a denúncia foi instruída com uma cópia do mencionado Inquérito Civil Público, caracterizando uma manobra processual para usurpar a competência do Tribunal de Justiça local na supervisão das investigações, o que seria uma violação ao princípio do juiz natural.
Apesar das alegações do acusado, a prática de “oferecer denúncia com base em inquérito civil público” é considerada totalmente legítima, conforme decisão no processo APn 527/MT, relatado pela Ministra Eliana Calmon, na Corte Especial, em 6/3/2013. De acordo com essa decisão, não é necessário que haja um inquérito policial ou procedimento investigativo criminal como pressuposto indispensável para iniciar uma ação penal.
Portanto, mesmo considerando que o investigado ocupava um cargo com foro privilegiado, não havia, até aquele momento, nenhum ato de investigação criminal em andamento, apenas o inquérito de natureza civil. Nesse contexto, não se pode alegar usurpação da competência do Tribunal de Justiça local quanto à supervisão da investigação, uma vez que, como ressaltado, “não existe foro privilegiado por prerrogativa de função para o processamento e julgamento da ação civil pública de improbidade administrativa” (decisão no AgRg na AIA 32/AM, relatada pelo Ministro João Otávio de Noronha, na Corte Especial, em 13/5/2016). (Informativo n. 774)